Era nessa altura que ela subia e descia as avenidas daquela cidade abandonada à noite. Entrava nos bares, sozinha. Bebeu muito de Woody Allen com Marlon Brando e Chet Baker. Era a sua combinação preferida. Os homens fitavam-na com estranheza. O que faria uma mulher, todos os dias sozinha, naqueles bares, fazendo aquelas estranhas misturas? Era bonita, pedia as bebidas com uma segurança e firmeza que asseguravam que sabia muito bem o que fazia e o que queria. Não era uma bêbada, não era uma inútil e seguramente não era puta. Os homens daqueles bares respeitavam-na. Compreendiam-na. Na velhinha jukebox, sempre a mesma música: Nina Simone, e ao ouvi-la, acendia um cigarro, bebia o que estava no copo de uma vez só e pousava a cabeça sobre a mão como se nunca mais a fosse levantar. Era um lugar comum. Eles sabiam-no. Ela sabia-o. Ela era intocável.
Ao fim da noite, já nos bares que ficam perto do rio, sente-se o ar húmido e o cheiro característico da água que bate nos muros. Vêem-se pequenos caranguejos que aparecem sobre a pedra humana. Ela debruça-se sobre o corrimão observando tudo isto, apanhando o relento fresco, por vezes aconchegante, único e fiel companheiro daquelas noites urbanas e azuis. Ouvem-se os primeiros barcos, partem os primeiros autocarros, vêem-se as primeiras pessoas indo para o trabalho. Era sempre assim, todas as noites acabavam naquelas manhãs cansadas e cinzentas. O olhar fixo no horizonte, o vento nos cabelos longos e ondulados. Um último copo, Gainsbourg com duas pedras de gelo e Brel com um pouco de Piaf para acrescentar amargura. Escreveria quando chegasse a casa, se pelo menos se lembrasse do caminho. É então que uma voz masculina se ouve quase ao seu lado: Mariana, és tu?
5 comentários:
Gostei de imaginar o marlon brando, o Gainsbourg e o Brel a tilintar dentro de um copo com gelo. Gostei do ambiente urbano e azul. Penso que não era preciso dizeres que não era uma bêbada ou uma puta, concretizaste de repente a personagem, mas nada de grave, no seguimento espoleta-la para o indefinido novamente. A continuar... ficamos todos expectantes a segurar as pontas soltas.
Queremos mais, queremos mais...
–Sentiste?
–Senti. Senti que não posso escrever sobre ele. Sobre ele poderia dizer que é lindo, mas parece-me pouco, e já me acusaram tantas vezes de ser pouco precisa.
Será o inicio ou o fim? Um começo apagado ou um final fulgurante? Quem sou eu para o dizer? Gostava de beber daquilo, manda vir para mim! ;)
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