7.8.07

Irreal Social*

Eu odeio centros comerciais. No outro dia perdi-me e fui parar a um desses fantásticos edíficios, ainda para mais, na margem sul e cujo o nome não menciono para não fazer publicidade (só mesmo porque não quero!). A certa altura dou comigo a pensar: todos os centros comerciais são iguais. Sim. Eu sei. Não é preciso ser um génio para chegar a esta conclusão. Contudo, o meu raciocínio levar-me-ia mais longe: se todos os shoppings (também odeio estrangeirismos), esses colossos de consumismo espalhados por todo o país, são iguais, então, todos os seus visitantes ou clientes habituais serão igualmente, iguais, passe a redudância. Esta rudimentar teoria seria confirmada.

Dei uma volta por esse centro comercial e vi as coisas do costume: o namoradinho com ar de cromo e calças baratas à portuguesa, vai com o bracinho em cima dos ombrinhos gordos da namorada horrorosa. Tão angelicais que eles são:ela, com aquele sorriso de Mona Lisa arrependida e ele com aquela cara de quem nunca tinha estado ali. Uns inúteis!Mais à frente paro junto de um cinzeiro para fumar um cigarro (num centro comercial tem que se fumar muitos cigarros), e constato que todos os que passam por mim se vestem da mesma maneira. As mesmas marcas, as mesmas cores. O que me levou, consequentemente, a esta ideia: com tantas lojas diferentes, e andam todos com as mesmas roupas, isto deve querer dizer que há lojas que vendem às toneladas e outras que nem um miserável parzinho de meias vendem a um velhote decrépito! Percebem a ideia?

Num outro corredor, um novo casal de namorados. Estes com ar de casados, aquele ar de frete do tipo: “antes isto que ficar a noite toda a ver a TVI e a morrer de tédio”. Estes gajos, garanto-vos, não sabem o que é sexo há um ano e andam para ali com aquele ar de comprometidinhos como se o amor fosse compromisso. Ele, tem ar de companheiro. Não parece ser namorado ou marido. É companheiro. Ela, enfim, assemelha-se muito ao estilo noiva-cadáver, o que nem é assim tão mau, isto é, há pior, ou seja, ela é horrivelmente feia mas ainda assim conheço casos mais críticos.

Não posso com esses indivíduos com ar de companheiro. Companheiro é, certamente, o pior adjectivo que uma mulher pode utilizar para caracterizar um homem. Se uma namorada minha se referisse a mim nesses termos, estaria tudo terminado. Meninas, desenganem-se! Eu não sou companheiro de ninguém. O companheiro é aquele que acompanha, o que me faz lembrar a palavra acompanhante. Acompanhante, para além de prostituto, também pode ser utilizado como peça decorativa, dependendo dos contextos. Ora! Eu não sou uma peça decorativa!

Passo discretamente por esses majestosos corredores de lojas. As montras, nem dou por elas. Penso: “sou um anti-social. Não gosto de nada, não gosto de ninguém. Sou aquele que simplesmente não encaixa. ”Já nos anos 70, Patti Smith cantava: “Out of society, they’re waiting for me//Out of society, that’s where I want to be”. É isso que eu sinto. Sinto que estou fora da sociedade, e penso nisso como se fosse um crime. É este tipo de repressão que eu vivo em tudo o que faço. Eu não gosto de feriados, de épocas festivas nem daqueles bailinhos da terrinha da nossa infância. Eu não gosto de desportos radicais, ginásios nem música de merda. Eu não gosto de aniversários. Nunca vou a funerais. Casamentos, nem se fala.

Sou um anti-social. Que dúvidas restarão? Este tempo é-me estranho, estes sítios são-me estranhos. Olho para os outros, os que passam por mim, parecem-me bem sucedidos na vida. São pessoas perfeitamente inseridas no sistema. Putos de vinte e tal anos, uns acabaram os cursos outros não, já todos casados, com filhos irritantes aos berros, provavelmente com um carro que não podem pagar e a fazer compras com cartões de crédito. Acho que já deu para perceber que não gosto muito desta gente, certo? Pois bem, no entanto, acho que eles é que são bons. Mais: acho que são melhores que eu. Eles conseguiram sobreviver com o sistema. Eles adaptaram-se. Eu não. Mesmo sabendo que eles não sabem nada. Mesmo sabendo que são meras marionetes. Acho que todos esses acomodados vivem melhor do que eu. A última grande preocupação destes gajos foi: “Meu Deus! Já constroem mais centros comerciais que estádios! Onde é que isto vai parar!”. Ou então têm conversas intensas acerca de uma telenovela juvenil qualquer.

Eu, cá por mim, ando sempre preocupado com alguma coisa. Nem que seja uma notícia num jornal sobre a baleia-xpto-que-está-em-vias-de-extinção-num-mar-qualquer-longínquo-que-ninguém-sabe-onde-fica. Eles não. Eles andam felizes, ou pensam que andam felizes, ou qualquer coisa que os valha. Eles ouvem Michael Bublé (será assim que se escreve?), eu oiço Frank Sinatra. Eles ouvem James Blunt (a revelação do ano, segundo a MTV), eu oiço Neil Young. O que me vale a mim conhecer as obras completas de Piaf ou Brel? E por outro lado, que culpa tenho eu de não gostar daquilo que todos gostam? E ainda assim, nem sei porque é que não gosto dessas coisas, pelo menos, se me pedissem para explicar, eu não o saberia fazer.Só sei que tenho tendência para odiar aquilo que os outros gostam e é por isso que odeio centros comerciais. Porque lá é tudo diferente de mim e eu não me revejo em nada, e para agravar, todos os que passam por mim parecem cópias uns dos outros. Ou serão os centros comerciais que são cópias uns dos outros?

Qual o objectivo deste texto? Não sei. Mentira. Sei, mas não vou dizer porque sou um artista.

Curiosidade: (completamente desinteressante e que ninguém vai ler porque desistiram todos a meio) Este texto foi escrito ao som de No More Shall We Part de Nick Cave & The Bad Seeds.

Agradecimentos: Nick Cave & The Bad Seeds, Centro Comercial Anónimo, aos dois casais de parolos que vos falei e ainda a todos os bimbos ignóbeis que tiveram a infelicidade de passar por mim naquele triste fim de noite. Para esses, que ardam no inferno!

Citações:

“Sarcasm can be a dangerous weapon” (A.A. – Autor Anónimo)

“Misery is the river of the world” (Tom Waits)

*Este texto foi originalmente publicado em Abril de 2006, num blogue já extinto, e que não vale a pena referir o nome. Ashes to ashes, dust to dust.

6 comentários:

Anónimo disse...

excelente texto. tb eu partilho um pouco deste espírito, adoro gostar de coisas q a maior parte n gosta, por ex.
e quanto à banda sonora, que dizer? um dos álbuns da minha vida.

Rosa disse...

eu queria ter um monovolume ou um audi (os dois num era o ideal), queria ir passar os fins de semana aos centros comerciais, queria ser empurrada na fila do cinema para ver o último grande block buster, queria ter um companheiro só mesmo daqueles que servem para acompanhar, não chateiam nada (até te põe os cornos, mas não dizem nada só mesmo p n chatear), queria preocupar-me com a vida da bibá pitta, queria ter sofás da chateaux d'ax pagos a prestações, eu queria... juro que queria. juro até que já tentei, já lá estive muito perto. mas, infelizmente, também continuo a não gostar de centros comerciais. vamos morrer sós e exilados do mundo, meu caro.

ou então não. um dia acordo e quero ser dondoca... logo depois da lobotomia.

John Abreu disse...

Brrr.. já tinha gostado do texto no outro 'dito cujo' blog. Aqui, passados alguns anos, perante uma possível sociedade em mudança.. sente-se o mesmo. É o mesmo cenário. São as mesmas personagens. A mesma luz. E a mesma banda sonora (aqui como ponto positivo de quem ouve esse album desde que saiu =P).
Meu caro, estou constantemente a medir a minha adaptação, ou não, a esta sociedade. Por um lado, sigo-a. Por outro, critico-a. Mas volto sempre um passo atrás, para olhar para mim mesmo e tentar sentir se é mesmo isto que quero. Se é mesmo isto que deveria ser feito. Essas coisas.
Já os centros comerciais... lol

Cláudia Sampaio disse...

Centros Comercias, essas belas fontes de inspiração para criar personagens para as minhas histórias!

Cataclismo Cerebral disse...

Há 2 sítios nos centros comerciais que eu adoro: a FNAC e os cinemas (mas não uns quaisquer). Esses locais levam-me à perdição,fomentando as minhas verdadeiras paixões. Quanto à história do consumismo desenfreado, acho que já é muito cliché: quem quer abusar das compras que o faça; quer não quer, que fique "de fora" desse ritual. Quanto aos gostos que diferem dos da maioria, incluo-me desse campo. Respeito o gosto dos outros desde que respeitem os meus. A variedade de interesses e opiniões é o que importa verdadeiramente...

Cumprimentos

Carapaus com Chantilly disse...

A tragédia do nosso universo ideal é ele não poder existir sem se entrecruzar com o mundo real. É por isso que os «acomodados» deste post são os verdadeiros vencedores. Das duas uma, ou o ideal e o real coincidem neles, ou o problema da distinção não se coloca. Take care.

ML